Câmara de BH discute criar emendas impositivas de R$ 120 milhões
A Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) instaurou uma comissão para discutir uma proposta que cria o Orçamento Impositivo na capital. A medida pode criar emendas no valor de R$ 3 milhões anuais para cada vereador, dentro do Orçamento de R$ 14,3 bilhões da capital. Hoje não há emendas individuais para destinação orçamentária. A primeira reunião aconteceu na última segunda-feira, quando foram eleitos presidente e relator do colegiado, respectivamente Fernanda Altoé (Novo) e Wilsinho da Tabu (PP).
O Projeto de Emenda à Lei Orgânica (Pelo) foi apresentado em maio por 15 vereadores e propõe a criação de emendas parlamentares de execução obrigatória até o limite de 1,2% da receita corrente líquida prevista no Orçamento (em 2022, o limite seria 0,8%, depois, 0,9% em 2023, 1% em 2024, até atingir o máximo a partir de 2025). A estimativa do vereador Gabriel Azevedo (sem partido), um dos signatários da proposta, é que cada um dos 41 parlamentares tenha autonomia para indicar emendas no valor de R$ 3 milhões a cada ano, o que soma pouco mais de R$ 120 milhões para todos os vereadores. Além disso, nos mesmos moldes do Orçamento Impositivo criado pelo Congresso, o texto estabelece que 50% do valor das emendas deve ser destinado à saúde.
A comissão tem 15 dias para apresentar o relatório final, que deve ser votado em plenário. “A expectativa é que essa emenda seja aprovada”, disse o relator da comissão, Wilsinho da Tabu. Ele defende a medida como forma de racionalizar a execução de obras na capital. “A gente imagina que o Executivo, independentemente de bandeira partidária, não consegue atender a cidade toda. Tivemos um exemplo de uma obra no (bairro) Sagrada Família que ficou quatro anos esperando para ser executada. É esse tipo de coisa que a gente quer evitar com o Orçamento Impositivo”.
A presidente da comissão, Fernanda Altoé, disse que ainda não tem opinião formada sobre a proposta e que o trabalho agora é de avaliar como a emenda impositiva pode ser inserida em BH à luz do que já se tem de experiência em outras Casas legislativas. “Não sei como vou votar em plenário. O objetivo dessa comissão é avaliar os prós e contras e minimizar, por meio de emendas (ao projeto), qualquer possibilidade de deturpação do Orçamento Impositivo”, disse. Por outro lado, ponderou que as emendas parlamentares fazem mais sentido em nível municipal do que em níveis estadual e federal, como já existe. “A emenda parlamentar deveria existir só no município, porque quem vive a realidade da cidade é o vereador. Eu acredito que o deputado estadual e o deputado federal não vivem a cidade como o vereador”, disse.
Para Gabriel Azevedo, a proposta é uma forma de garantir maior independência do Legislativo, na medida em que permite aos vereadores indicar em quê será gasta parte dos recursos do Orçamento. “Vejo de maneira positiva, porque já há alguns anos a Câmara devolve para a prefeitura uma quantia vultosa de recursos que não utiliza do Orçamento do Legislativo. E a gente sempre faz sugestões de como utilizar esse recurso que é devolvido com as nossas economias. Acho que podemos, de maneira mais veemente, dizer onde cada parte desse dinheiro vai ser utilizada. Então, vejo de maneira positiva a utilização do mecanismo de emendas impositivas”, defendeu. Em 2020, o Legislativo devolveu R$ 100 milhões ao Executivo.
Toma-lá-dá-cá
Para Irlan Melo (PSD) – que assina a proposta e é do partido do prefeito Alexandre Kalil – a parcela destinada ao Orçamento Impositivo é mínima frente ao Orçamento total, e a proposta evita distorções na relação entre Poderes. “É importante que o Legislativo tenha tranquilidade e autonomia de, em pelo menos uma parte do Orçamento, fazer destinações. Isso tira aquela possibilidade de toma lá dá cá que às vezes existe entre Legislativo e Executivo. Não estou dizendo que é o caso de BH, mas existe em muitos lugares”, disse.
Na esquerda, não há consenso sobre o tema. Duda Salabert (PDT) é contra. “Sou contrária aos vereadores terem um valor milionário para distribuir para suas bases”, disse. Já a bancada do PT ainda não firmou posição. “Estamos discutindo, eu e a vereadora Macaé (Evaristo), e vamos escutar as pessoas em torno do nosso mandato e também professores universitários que dominam a questão do Orçamento e da própria política pública para tomarmos uma decisão”, afirmou o vereador Pedro Patrus.
Relação ruim pode impulsionar proposta
Tanto no Congresso quanto na Assembleia de Minas, o Orçamento Impositivo foi aprovado em um momento em que Executivo e Legislativo tinham relacionamento conturbado. No caso federal, a emenda impositiva foi criada em 2015, no início da gestão de Eduardo Cunha (MDB) na Câmara dos Deputados. Ele fez oposição à presidente Dilma Rousseff (PT). Em Minas, o tema foi aprovado na administração de Fernando Pimentel (PT), mas regulamentado depois de mais de um ano da aprovação, já no governo de Romeu Zema (Novo), que tem acumulado desgastes com o Legislativo.
A proposta de criar um Orçamento Impositivo em BH, que já havia sido apresentada e discutida na legislatura passada da Câmara e não avançou, teria mais chances de ter prosseguimento agora. Isso porque o prefeito Alexandre Kalil (PSD) tem sofrido derrotas na Câmara, como no caso do projeto do Executivo que autorizava empréstimo de R$ 900 milhões para obras de contenção de enchentes na avenida Vilarinho, rejeitado por apenas um voto.
Na avaliação do cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Felipe Nunes, o Orçamento Impositivo é uma tendência, mas ele só é aprovado quando há condições ideais, mais precisamente um afastamento entre Legislativo e Executivo. “Depois que o Congresso fez essa mudança, é natural que os outros Poderes, as esferas inferiores, conduzam na mesma lógica essa alteração. Agora, para fazer isso, é preciso construir um consenso dentro do plenário, e esse consenso é mais fácil de ser conseguido quando há uma relação conflituosa entre o Executivo e o Legislativo. Então, é um pouco da ocasião e da oportunidade”, analisa.
Os autores da proposta, no entanto, negam relação entre a discussão do tema e o desgaste na relação da prefeitura com a Câmara. “Posso te garantir que não. Este já é um anseio antigo da Câmara e é uma questão interna, uma vez que a gente considera que é positivo economizar”, afirma Gabriel Azevedo. Ele disse ainda que o texto não foi votado na legislatura passada porque tinha alguns vícios de redação.
Vereadores dizem que assunto é da Câmara
Não há consenso entre os vereadores de que o projeto possa enfrentar resistência por parte da prefeitura. Para Irlan Melo (PSD), a posição do governo sobre o projeto é desconhecida, mas ele entende que o tema é da alçada do Legislativo. “É uma matéria eminentemente do Legislativo, apesar de influenciar o Orçamento do Executivo. Digo isso porque uma eventual aprovação não depende de sanção do prefeito. Várias Câmaras já aprovaram a matéria, e chegou a hora de o Legislativo de BH discutir o tema”.
Questionado sobre a possibilidade de resistência da base do governo ao projeto, Wilsinho da Tabu avalia que a proposta é de interesse da maior parte do Parlamento. “Por todas as articulações que a gente tem feito na Casa, todos os vereadores têm interesse. Temos só uma ou duas situações de exceção”, afirma.
Procurado, o líder do governo na Câmara, vereador Léo Burguês (PSL), não atendeu nem respondeu às mensagens enviadas. Já a prefeitura informou que não comenta projetos em tramitação no Legislativo.