Grupo de Trabalho apresenta diretrizes para combate à fome em BH
Ampliar o alcance das ações do poder público de forma a realmente atender às necessidades dos que têm fome e estão em condição de baixa qualidade alimentar e nutricional. Esta é a síntese das recomendações apresentadas no relatório final do Grupo de Trabalho (GT) de Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional do Município de Belo Horizonte.
O texto foi entregue nesta segunda-feira (19/12), em reunião da Comissão de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Defesa do Consumidor, que contou com a presença de representantes da PBH, de conselhos municipais e da sociedade civil. Entre as propostas que compõem o relatório estão a implantação e manutenção de cozinhas comunitárias e a implementação de um programa de renda básica permanente em BH. Como destacou a relatora do GT, vereadora Bella Gonçalves (Psol) “as pessoas não só têm o direito de comer, mas têm o direito de comer bem, em quantidade satisfatória e ingerindo alimentos de qualidade”.
Direito fundamental
A alimentação adequada é um direito humano fundamental, assegurado expressamente na Constituição Federal, em seu artigo 6º. A Lei nº 11.346/2006, que institui o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN, ressalta que se trata de um direito inerente à dignidade da pessoa humana, indispensável à realização de outros direitos consagrados constitucionalmente, sendo dever do poder público adotar as políticas e ações necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população.
Com base nessa fundamentação legal, o GT de Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional do Município trabalhou durante os anos de 2021 e 2022 com o objetivo de fiscalizar e ampliar o debate sobre o tema com o a Prefeitura e movimentos sociais e, nesta segunda-feira, entregou seu relatório final. Nele, é apresentado um amplo panorama sobre as políticas públicas voltadas ao tema, além de sugestões e recomendações de ações e programas que podem ser adotados pela PBH para mitigar e solucionar o problema da fome e da insegurança alimentar, ampliado com a pandemia da covid-19.
De acordo com Bella Gonçalves, relatora do GT, uma das informações mais importantes detectadas pelo grupo foi que, mesmo com as dificuldades enfrentadas pela pandemia, a Prefeitura investiu fortemente no combate à fome dos moradores de BH. Segundo ela, avanços ainda são necessários, mas houve um compromisso da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania em “garantir orçamento” e atender à população. A vereadora explica que o relatório também traz um “registro histórico dessa política que tenta sobreviver em um cenário difícil” e lembrou que tramita na casa um projeto de reforma administrativa que dará “a esta pasta (Segurança Alimentar) a estatura orçamentária que ela precisa”.
Política pioneira
Segundo o relatório, Belo Horizonte já era considerado município pioneiro na implementação de políticas de segurança alimentar na década de 1990. Em 1993, foi criada a Secretaria Municipal de Abastecimento e, no ano seguinte, a Prefeitura “inaugurou o Restaurante Popular I (que em 2001 ganhou o nome de Herbert de Souza), em modelo que depois foi replicado em vários municípios brasileiros”. Na capital, as políticas voltadas ao tema se subdividem, atualmente, em dois grandes programas, sendo eles “Segurança Alimentar e Nutricional na perspectiva do direito e da assistência alimentar” e “BH Cidade Sustentável: Mobilizar, educar e cultivar alimentação saudável”.
Do orçamento total executado para a área, 98% se destina às ações dos programas de assistência alimentar, que totalizavam cerca de R$ 76 milhões no ano de 2018. Com a implementação de ações emergenciais no contexto da pandemia de covid-19, o orçamento executado para esse programa, que incluiu a distribuição de cestas básicas, passou para R$ 344 milhões em 2021. O desenho desta política emergencial de acesso a alimentos foi um dos elementos mais importantes do debate feito pelo Grupo de Trabalho em 2021 e 2022. Segundo Bella, as políticas públicas conquistadas nesse período tiveram, na organização da sociedade, seu principal agente propulsor. “Quem conquistou (auxílio emergencial e cestas básicas) foi a sociedade civil por meio dos conselhos”, disse a vereadora destacando ainda o papel da PBH e da Câmara Municipal, que devolveu parte do orçamento do Poder Legislativo para que o auxílio pudesse chegar a mais famílias com valor ampliado.
Redução da participação federal
O relatório também traz uma crítica à redução, por parte dos governos federal e estadual, na participação dos recursos voltados para a segurança alimentar. Segundo as informações apresentadas pelo GT, além da diminuição de repasses do Programa Nacional de Alimentação Escolar, o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, que tem impacto positivo tanto no combate à insegurança alimentar como na estruturação de cadeias produtivas e no fomento à agricultura familiar, também tem sido alvo do ajuste fiscal e dos cortes orçamentários de políticas sociais pelo governo federal.
O programa, que contava com um investimento da ordem de R$ 1,15 bilhão em 2012, envolvendo a comercialização de 468,9 mil toneladas de alimentos, teve um valor aplicado de apenas R$ 232,7 milhões de reais em 2018 — cerca de um quinto do valor. De acordo com o relatório, a redução do investimento significou uma queda acentuada também na quantidade de alimentos comercializados, que caiu para 93,8 mil toneladas.
Segundo a representante do gabinete da vereadora Bella Gonçalves e uma das responsáveis pela produção do relatório final, Juliana Lima, essa redução da participação federal foi intensificada nos últimos anos e afetou diretamente a política de segurança alimentar dos municípios. “Há uma diminuição desde o governo Temer com o enfraquecimento do controle social. BH vem sendo afetada com o corte no programa de alimentação escolar, mesmo com aumento de 70% no valor da cesta básica”, disse Juliana ao explicar que a PBH está sendo pressionada a colocar mais recursos e que o governo federal investe prioritariamente no agronegócio. “O Brasil é o terceiro maior produtor de alimentos do mundo e mesmo assim a sua população passa fome”, destacou.
“A gente vivencia uma falta de investimentos em equipamentos públicos. BH ampliou seu orçamento para dar conta de minimamente reduzir os impactos do aumento no valor dos alimentos e da falta de investimentos do governo federal”, disse Darklane Rodrigues, subsecretária de Segurança Alimentar e Nutricional da PBH. Segundo ela, os investimentos da PBH foram capazes de reduzir os impactos na periferia, mas ainda não conseguem resolver o problema da fome na cidade. “Poderia ter sido pior. Ainda que tenha existido esse investimento, não foi o suficiente”, reconhece a subsecretária apontando avanços que já estão sendo implementados e destacando que é preciso reduzir ainda mais a burocracia em alguns processos, como nas parcerias com equipamentos ligados à agroecologia.
Diretrizes e recomendações
“Políticas públicas devem ser construídas com o pé no barro, nas comunidades. A gente tem que acreditar mais na inteligência do nosso povo”. A frase é de Jairo dos Santos, integrante do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), que também participou dos debates e contou sua experiência com as cozinhas comunitárias, que servem mais de três mil refeições diariamente em toda Minas Gerais. A experiência apresentada por Jairo, das cozinhas comunitárias, faz parte de uma das diretrizes entregues à PBH no relatório final do GT de Segurança Alimentar. Entre as 15 recomendações apresentadas está a “implantação e manutenção, por iniciativa própria ou em parceria com a sociedade civil, de cozinhas comunitárias nas regiões com menor renda familiar ou menos acesso a alimentos saudáveis”. Segundo Darlane, a PBH já está atenta à essa iniciativa e irá publicar chamamento público para implementação das cozinhas. “Há vários temas sugeridos que não fogem das nossas discussões”, disse a subsecretária. Para Bella, é preciso “atrelar essas cozinhas, como pequenos equipamentos comunitários, aos restaurantes populares”.
Outro tema que teve destaque no relatório e nas discussões desta segunda foi a implementação de um programa de renda mínima permanente em BH. O GT sugere que seja feita a implementação da renda básica permanente “para pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza, com prioridade para as famílias chefiadas por mulheres, com vistas à redução das desigualdades de gênero, de raça, cor e etnias, considerando o princípio da equidade”. De acordo com a vereadora Bella Gonçalves, a questão é urgente. “Em dezembro será a última parcela (do auxílio emergencial) e não há previsão para janeiro. Precisamos de uma política continuada como o renda básica municipal”, salientou a vereadora.
Entre as demais recomendações apresentadas no relatório final, como diretrizes para a política de segurança alimentar e nutricional de Belo Horizonte, estão ainda a ampliação da parceria entre o setor público e a sociedade civil no fortalecimento das ações territoriais de solidariedade; o fortalecimento do uso de indicadores do ambiente alimentar a que famílias beneficiárias do Bolsa Família estão expostas; o aprimoramento de métodos de avaliação com indicadores para monitoramento com implementação e efetividade das necessidades locais; a descentralização das feiras; o aumento das compras da agricultura familiar e urbana; e o desenvolvimento de ações intersetoriais que integrem estratégias amplas.
O relatório final do Grupo de Trabalho de Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional do Município de Belo Horizonte será encaminhado ao prefeito Fuad Noman (PSD); à secretária Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, Rosilene Rocha; aos conselhos regionais, municipal e estadual de Segurança Alimentar e a outros órgãos do poder público e instituições da sociedade civil. Também estiveram presentes na reunião os vereadores Wilsinho da Tabu (PP) e Pedro Patrus (PT), além de representantes de conselhos e movimentos sociais.
Superintendência de Comunicação Institucional – Câmara BH