Luta pela igualdade racial teve conquistas expressivas com ações afirmativas
Reserva de vagas para negros em concursos dos Poderes Executivo e Legislativo Municipais foi garantida pela Câmara de BH em 2023
De acordo com o estudo do IBGE Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, publicado em 2022, pretos e pardos têm menos acesso a bens e serviços básicos necessários ao bem-estar (como saúde, educação, trabalho e renda) do que os brancos. Com o intuito de combater as históricas desigualdades relativas à maior vulnerabilidade socioeconômica de negros, a Câmara Municipal, em 2023, apresentou uma série de ações, tais como, a Lei 11.485/2023, que amplia a vigência da norma que reserva a este contingente étnico-populacional 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos do Poder Executivo Municipal. Caso a lei de origem parlamentar não tivesse entrado em vigor, a reserva de vagas nos certames da PBH seria encerrada no ano de 2026. Outra norma originada na Câmara Municipal sobre esta temática, no ano passado, diz respeito à Resolução 2115, de autoria da atual Mesa Diretora, a qual reserva à população negra 20% das vagas em concursos públicos também para o Poder Legislativo Municipal. A regra já vale para o concurso da Câmara que ocorrerá em 2024. A CMBH vem ainda, desde 2023, implementando ações voltadas à obtenção do Selo BH Sem Racismo, certificação que objetiva estimular e reconhecer instituições que desenvolvem ações no campo da promoção da igualdade racial, do enfrentamento ao racismo e do combate à discriminação étnico-racial
De autoria da Comissão Especial de Estudo sobre Empregabilidade, Violência e Homicídio de Jovens Negros, que atuou na CMBH nos anos de 2021 e 2022, a Lei 11.485 foi aprovada pelos vereadores, em 2º turno, em março do ano passado, estando em vigor desde abril de 2023. Ela amplia para 20 anos o prazo de vigência da reserva de vagas para negros nos concursos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração direta e indireta do Poder Executivo do Município.
Tal política de ação afirmativa se funda na necessidade de superar o racismo estrutural e institucional ainda existente na sociedade brasileira, e garantir a igualdade material entre os cidadãos, por meio da distribuição mais equitativa de bens sociais e da promoção do reconhecimento da população afrodescendente.
É importante ressaltar que a reserva de vagas para negros não viola os princípios do concurso público e da eficiência, pois não isenta tal segmento étnico-populacional da aprovação no concurso público. Conforme a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 41, do Supremo Tribunal Federal, “como qualquer outro candidato, o beneficiário da política deve alcançar a nota necessária para que seja considerado apto a exercer, de forma adequada e eficiente, o cargo em questão”. Além disso, a incorporação do fator “raça” como critério de seleção, ao invés de afetar o princípio da eficiência, acaba, segundo o acórdão do STF, contribuindo “para sua realização em maior extensão, criando uma ‘burocracia representativa’, capaz de garantir que os pontos de vista e interesses de toda a população sejam considerados na tomada de decisões estatais”.
Reserva de vagas na CMBH
A reserva para negros de 20% das vagas em concursos públicos para provimento de cargos efetivos no Poder Legislativo municipal é oriunda de um projeto de resolução assinado pelos membros da atual Mesa Diretora. A Resolução 2115, que entrou em vigor em novembro do ano passado e terá validade até 2043, estabelece, ainda, que o candidato que prestar informação com conteúdo falso, com o intuito de usufruir das vagas reservadas a negros, além das sanções penais cabíveis, estará sujeito à eliminação do certame; à exclusão da lista de aprovados; à declaração de nulidade do ato de nomeação, se a informação com conteúdo falso for constatada após a sua publicação.
Conforme os membros da Mesa Diretora, o objetivo da resolução foi alinhar a Câmara Municipal ao paradigma de promoção da igualdade racial que vem se consolidando em todo o país, tendo como exemplo a Lei Federal 12.990/2014, que instituiu a reserva de vagas para negros no âmbito da União. Já em 2016, a cidade de Belo Horizonte instituiu a mesma norma por meio da Lei Municipal 10.924, que tem, entretanto, aplicação exclusiva ao Poder Executivo. Assim, a resolução corrige essa distorção entre os Poderes Executivo e Legislativo no que tange a esta temática na capital mineira.
A reserva de vagas em concursos públicos, segundo a Mesa Diretora, é ainda “uma medida essencial para ampliar o acesso da população negra ao mercado de trabalho, um passo de grande importância para a promoção da igualdade racial em nossa sociedade, além de ser uma forma de trazer maior pluralidade de visões de mundo para dentro da administração pública”.
Promoção da Igualdade Racial
No serviço público federal, os negros são minoria e têm menores salários, aponta levantamento da organização não governamental República.org. A diferença entre negros e brancos, contudo, seria maior, não fosse a lei de cotas instituída em 2014. De acordo com a ONG em questão, em 2008, isto é, seis anos antes do início da vigência da Lei de Cotas, 29% das pessoas que ingressaram no serviço público federal eram negras. Em 2020, esse percentual saltava para 43%, mantendo-se, contudo, abaixo do percentual de negros na população brasileira, que é de 55%.
A baixa representatividade dos negros se agrava na medida em que a remuneração do cargo na administração pública federal aumenta. Segundo dados de 2020 apresentados pela República.org, apenas 14,58% dos ocupantes dos cargos de Direção e Assessoramento Superior de nível 6 (DAS-6), o mais alto no serviço público do Executivo federal, eram pretos e pardos.
Já na Câmara Municipal de Belo Horizonte, dados acerca da composição étnico-racial de seu corpo técnico serão obtidos ainda este ano em decorrência de um censo que coletou informações de servidores amplos, efetivos, cedidos e dos empregados de empresas terceirizadas. Promovida pelo Comitê de Promoção da Igualdade Racial da CMBH, a ação é parte do conjunto de iniciativas que buscam promover políticas de inclusão, permanência e combate à desigualdade na CMBH. Na pesquisa, os trabalhadores se classificaram como pretos, pardos, indígenas, amarelos ou brancos, informando, ainda, se se identificam como parte de comunidades tradicionais quilombolas ou ciganas.
A aquisição de informações acerca da distribuição étnico-racial na Câmara é parte das ações voltadas à obtenção do Selo “BH sem Racismo”. A certificação objetiva o estímulo e o reconhecimento da prática de ações no campo da promoção da igualdade racial, do enfrentamento ao racismo e do combate à discriminação. O selo pode ser pleiteado por instituições públicas e privadas, associações civis e empresas com sede em BH, que se comprometerem com o desenvolvimento de ações contra a discriminação étnico-racial no ambiente de trabalho.