7 - 10 minutes readMães reivindicam mais quantidade e qualidade nas ofertas de saúde e de educação
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Longa espera por consultas e terapias, profissionais desvalorizados e sem capacitação na rede pública comprometem resultados

As angústias e dificuldades das famílias que dependem da rede pública para o diagnóstico e acompanhamento adequados de crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), a demora no acesso a consultas, exames e tratamentos especializados, a escassez e ausência de capacitação do quadro profissional marcaram os depoimentos e reivindicações de mães, pais e especialistas na audiência da Comissão de Saúde e Saneamento que debateu o tema nesta quinta-feira (10/8). As queixas e sugestões se estenderam à rede municipal de ensino, onde o despreparo de professores e a falta de apoio pedagógico especializado estariam comprometendo a inclusão desses alunos. Com o prolongamento da reunião além do prazo regimental, impedindo a continuidade da transmissão, gravação e registro, Bruno Pedralva (PT) anunciou que as falas seguintes, incluindo as dos gestores da Saúde, seriam anotadas e consideradas na definição dos encaminhamentos a serem formalizados posteriormente; entre eles, o parlamentar anunciou a indicação de um conjunto de ações e diretrizes à PBH, voltadas à ampliação da oferta, capacitação e valorização de profissionais, apoio psicológico às mães e cuidadores, entre outras questões abordadas.

Médico e ativista em defesa do SUS-BH, membro titular da Comissão de Saúde e Saneamento e autor do requerimento, também assinado pelos outros quatro integrantes do colegiado, Bruno Pedralva explicou que a realização da audiência foi motivada pelo recebimento, por todos os parlamentares, de inúmeras queixas, críticas e, principalmente, pedidos de apoio e até de socorro por famílias de crianças e adolescentes com TEA, que enfrentam “uma batalha imensa” para conseguir consultas, exames complementares e tratamentos adequados. Reconhecendo a gravidade e a urgência do tema, o vereador afirmou que muitos trabalhadores da rede também se sentem angustiados e se desdobram para oferecer o melhor atendimento e apoio possível às crianças e às famílias; como exemplo, ele citou o psicólogo no Núcleo de Saúde da Família do Centro de Saúde Paraúnas, Samuel Damásio, que uniu, organizou e orienta um grupo de mais de 50 famílias que lutam por seus direitos. 

Saudando a presença do colega de partido e deputado estadual Cristiano Silveira, uma das maiores lideranças da causa na Assembleia Legislativa, ele celebrou os avanços conquistados em âmbito estadual e reforçou a necessidade da escuta das pessoas que vivem e enfrentam os problemas no dia a dia pelo poder público para promoção das mudanças e aprimoramentos necessários. “Esta audiência pública não tem bandeira político-partidária, e sim do direito à saúde”, afirmou, elogiando o engajamento de vários vereadores, ao lado de associações, entidades representativas e famílias que buscam o direito de acesso ao que de melhor a ciência tem a oferecer para garantir aos afetados o melhor desenvolvimento e qualidade de vida possíveis. O encontro, segundo ele, não pretende esgotar o tema, que “está como uma panela de pressão”, mas pode representar mais um passo na busca de soluções.

“as famílias que convivem com o problema são o verdadeiro termômetro da situação e a tomada de medidas deve se basear em suas avaliações e expectativas, na escuta do que querem e como querem, do que mudou o do que precisa mudar”

Vereador Wilsinho da Tabu

Cláudio do Mundo Novo (PSD) reforçou a necessidade da oferta de atendimento adequado e promover a inclusão dos portadores de TEA na sociedade em todas as etapas da vida e da mobilização dos 41 membros do Legislativo sobre a questão. Wilsinho da Tabu (PP) reiterou que as famílias que convivem com o problema são o verdadeiro termômetro da situação e a tomada de medidas deve se basear em suas avaliações e expectativas, na escuta do que querem e como querem, do que mudou o do que precisa mudar. Mencionando a filha com Síndrome de Down, Helinho da Farmácia (PSD) ponderou que as dificuldades dos pais de autistas são ainda maiores, já que, por ser menos fácil de perceber e menos compreendido, o transtorno muitas vezes é diagnosticado tardiamente e não é reconhecido por quem deveria prestar acolhimento e apoio, sendo necessário capacitar e valorizar profissionais de saúde e educação para a inclusão dessas pessoas.

Diagnóstico e intervenção precoce

O deputado estadual Cristiano Silveira, que também é pai de uma criança autista, ressaltou que a identificação simbólica do portador de TEA facilitou o acesso aos direitos garantidos à pessoa com deficiência, já que nem sempre o transtorno é percebido à primeira vista, e a proteção contra fatores que desencadeiam sofrimento e crises, como barulho, movimentação excessiva de pessoas e mudanças de rotina acabam sendo negligenciados. O conhecimento científico sobre o TEA, ainda em processo de construção e evolução, também já constatou que o diagnóstico precoce é fundamental para o tratamento adequado e tempestivo, que, dependendo do nível e tipo de comprometimento, inclui acompanhamento psicopedagógico, terapia ocupacional e comportamental, fonoaudiólogo e fisioterapeuta.

Samuel Damásio, que buscou por conta própria e custeou do próprio bolso a capacitação para atender melhor a esse público, reforçou o papel essencial dos profissionais de saúde e de educação infantil na observação de possíveis sinais e indicação da necessidade de avaliação especializada. Além de capacitar professores e profissionais de apoio das escolas, enfermeiras e atendentes de postos de saúde, é fundamental que o poder público garanta o acesso imediato a consulta com neuropediatra e psiquiatra infantil em caso de suspeita e disponibilize as terapias em tempo hábil e com a frequência necessária, já que o atraso do diagnóstico e das intervenções leva à perda da “janela” de maior neuroplasticidade do cérebro, entre os 3 e 6 anos de idade, que favorece o atingimento dos melhores resultados. Além do apoio, a capacitação dos pais cuidadores também é um elemento importante, segundo o psicólogo.

Dificuldades e demandas

Membras da Associação Unidos pelo Autismo, organizada por Samuel Damásio, e de outras entidades representativas, a conselheira de saúde Ângela Eulália e a líder comunitária várias mães de crianças e adolescentes com autismo relataram suas experiências, testemunhando as dores e dificuldades enfrentadas no dia a dia e a insuficiência de acesso e de apoio às que dependem da rede pública. Catiane Ferreira, Erica Pavoletti, Nísia Patrício, Núbia Botelho, entre outras, lamentaram o longo tempo de espera por atendimento, a falta de profissionais especializados e ao acompanhamento bem abaixo do recomendado; algumas crianças recebem atendimento de 15 minutos a cada mês, insuficiente para o atingimento dos resultados que poderiam obter. A educação também foi alvo de reclamações das mães, que apontam o despreparo de professores e profissionais de apoio e a ausência de acompanhamento pedagógico especializado. “Inserir – enfiar à força – é diferente de incluir – tornar parte do todo”, salientou Erica, que já escreveu um livro sobre o assunto.

Da forma como ocorre hoje, a chamada educação inclusiva não estaria respeitando os alunos nem como autistas e nem como pessoas, denunciou, relatando que seu filho adquiriu pânico de frequentar a escola. Com experiências diferentes, mas muito parecidas, as mães cobram principalmente acesso a consultas e terapias, com a urgência e frequência necessárias, de preferência perto de casa; isonomia no cuidado (autistas de nível 3 têm mais acesso a consultas especializadas que os de nível 1 e 2, que em razão disso podem piorar seu quadro); a oferta de cursos de formação e capacitação de profissionais que atuam em centros de saúde e nas escolas; assistência financeira continuada às famílias, além do incentivo à capacitação profissional e contratação de autistas jovens e adultos, largados à própria sorte quando saem da adolescência.

Pesquisadora e professora da Faculdade de Psicologia da UFMG e mãe de autista, Maria Luiza Nogueira reiterou o despreparo de atendentes, professores e até mesmo de pediatras para lidar com o TEA devido à não formação ou formação inadequada, resultando no diagnóstico tardio e “perda da janela” ótima das intervenções.“Cada criança tem seu tempo, é verdade, mas tem limite!”, alertou, recomendando o investimento em formação. A anotação de possíveis indícios na caderneta de saúde, segundo ela, poderia amenizar esse problema, mas isso ocorre em menos de 20% dos casos. Mencionando programas e parcerias internas interdisciplinares na UFMG, a profissional afirmou que a instituição se dedica cada vez mais ao tema e está à disposição para contribuir na elaboração de políticas públicas,

“Longe do ideal”

Os especialistas apontaram que os avanços do conhecimento científico sobre o TEA e a maior compreensão sobre os sinais e manifestações que antes não eram identificados aumentaram o índice de diagnósticos, levando à impressão equivocada de que existe uma epidemia de casos. No entanto, a maior visibilidade favorece a criação de leis e adoção de políticas e ações voltadas ao segmento. Em âmbito estadual, o deputado Cristiano citou o Plano Estadual de Atendimento Integralizado, já aprovado em 1º turno, que prevê o diagnóstico precoce, acesso a medicamentos, qualificação de professores, criação de centros regionais e cuidados com quem cuida. O secretário Municipal de Educação, Charles Diniz, anunciou a contratação, ainda neste ano, de quase 2 mil profissionais de apoio na rede municipal de ensino, praticamente dobrando o contingente hoje disponível, e um edital publicado garantirá a alocação de um psicólogo e um assistente social em cada unidade. Os avanços, entretanto, ainda estão “longe do ideal”, segundo os participantes.

Encaminhamentos posteriores

Pedralva citou a extensão do direito à redução da jornada para servidores celetistas, conquistada este ano, o cordão de Girassol para identificação de portadores, uso das vagas de estacionamento em via pública por familiares de autistas, entre outros direitos consolidados em âmbito municipal, e celebrou o maior engajamento do Legislativo Municipal sobre o tema. Em razão do prolongamento da reunião além do prazo regimental, que impediu a continuidade da transmissão, gravação e registro pela assessoria da Casa, Bruno Pedralva garantiu que as falas seguintes, incluindo as dos gestores da Saúde, deixados para o final, seriam anotadas por sua própria assessoria e consideradas na elaboração dos encaminhamentos, a serem formalizados e comunicados posteriormente. Outras audiências para tratar das diferentes questões levantadas também poderão ser requeridas. 

Superintendência de Comunicação Institucional