5 - 6 minutes readCâmara de Belo Horizonte banaliza pedidos de cassação de vereadores
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Em apenas um mês, nove pedidos de perda de mandato foram apresentados, quatro em um dia. Especialista avalia que ato pode ser utilizado para perseguição política

Sete vereadores de Belo Horizonte viraram alvos de nove pedidos de cassação em menos de um mês. Além do presidente da Câmara, vereador Gabriel Azevedo (sem partido), também entraram na lista os vereadores Juliano Lopes (Agir), vice-presidente da Casa, Wesley Moreira (PP), Flávia Borja (PP), Wilsinho da Tabu (PP), Marcos Crispim (Podemos) e Fernanda Pereira Altoé (Novo). Só o presidente da Câmara foi alvo de três pedidos de cassação e um de afastamento da presidência.

Para o cientista político e professor da UFMG Camilo Aggio, a situação mostra a banalização de um instrumento legítimo, que é o pedido de cassação, e coloca em lados opostos a vontade popular e os embates e disputas de poder dentro das instituições políticas.

“A polêmica se dá porque temos um dilema. O que deve imperar: a decisão dos representantes eleitos ou a vontade popular, que foi materializada e expressa por meio do voto? Quem define o tempo de um mandato são as estruturas políticas ou a vontade da maioria? Não são perguntas simples”, avalia.

Aggio destaca que é preciso diferenciar a cassação de mandato estabelecida pelo Poder Judiciário dos pedidos de cassação por embates políticos. O professor afirma que os mandatos com prazos estabelecidos e a escolha política por meio do voto são pilares da democracia representativa, e banalizar os dois é um risco para a cultura e política democrática.

“Os conflitos se dão, a rivalização acontece; muitas vezes os pedidos de cassação podem vir não por causa de algum tipo de infração cometida por um sujeito político contra instrumentos legais, mas por causa de reação de adversários. A banalização do instrumento é um problema, pois pode servir para perseguição política, para calar divergências, e é um instrumento que deve ser utilizado com muita parcimônia, avaliando caso a caso. A cassação do mandato e anulação da vontade popular precisam ser tratadas com extremo respeito”, avalia o professor.

Na Câmara de Belo Horizonte, o excesso de pedidos de cassação está diretamente vinculado à guerra aberta entre dois grupos de vereadores, um deles ligado ao presidente Gabriel Azevedo, e outro denominado “Família Aro”, que está sob influência do chefe da Casa Civil no governo Romeu Zema, Marcelo Aro.

Apenas o caso de Fernanda Pereira Altoé foge desse contexto. O pedido de cassação contra a vereadora foi apresentado pelo ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD), que acusou a parlamentar de perseguição política. Porém, esse pedido de cassação já foi arquivado.

Outro pedido também arquivado é o apresentado contra Marcos Crispim, mas nesse caso existe vinculação com a disputa entre Gabriel e a Família Aro. Crispim é aliado de Aro, mas foi indicado para o cargo de corregedor pelo presidente da Casa. Ele se envolveu em polêmica após arquivar uma denúncia feita pelo PDT contra o presidente da Câmara e acabou sendo alvo do pedido de cassação. Crispim acusou assessores de Gabriel de forjar informações para fazer o arquivamento; a equipe do presidente nega. A abertura do processo de cassação foi rejeitada pelo plenário.

Os demais pedidos seguem em aberto, aguardando encaminhamentos da Câmara. Quatro deles foram apresentados na última semana e ainda não foram apreciados.

A corregedora da Câmara, Loíde Gonçalves (Podemos), é a responsável por uma primeira avaliação das denúncias e destacou que “os pedidos ainda devem ser analisados”

Ritmo lento após análise de denúncias

Enquanto a troca de pedidos de cassação movimenta os bastidores da Câmara, as reuniões ordinárias em plenário seguem em ritmo lento. O vereador Pedro Patrus (PT), que não está nem no grupo de Gabriel Azevedo, nem na Família Aro, avalia que é hora de avançar e que a disputa tem trazido prejuízos à rotina e à imagem do Legislativo.

“Essa disputa na Câmara é muito ruim para Belo Horizonte. Esse excesso de pedidos de cassação banaliza o instrumento, que é legítimo, mas que tem sido objeto de banalização total. São alguns pedidos sem nenhum tipo de motivo real aparente, não tem nem cabimento para serem aceitos”, diz Patrus.

Aliado do presidente da Câmara, Irlan Melo (Patriota) concorda que há um excesso de pedidos de perda de mandato, mas defende que a Câmara tem conseguido superar o momento. “O pedido de cassação pode ser feito por qualquer cidadão, é legal, regimental. O fato de alguns cidadãos terem protocolado vários pedidos é diferente de terem vários pedidos aceitos e tramitando. Apesar de toda a turbulência, a Câmara segue trabalhando”, minimiza.

O presidente da Câmara, Gabriel Azevedo, concorda que a situação não é ideal. “É preocupante quando há um número excessivo de pedidos de cassação, uma vez que se configura um ataque à Câmara e, à medida que isso se eleva, você cria a sensação de que o processo de cassação, ao invés de um procedimento legal, passa a ser uma ferramenta de perseguição política. É ruim para a democracia. Isso é muito ruim para o ambiente político e é péssimo para a cidade”, analisa o chefe do Legislativo.

Nas reuniões realizadas em setembro foram apreciados apenas quatro vetos do prefeito Fuad Noman (PSD) e os pedidos de cassação de Gabriel e Crispim. Nenhum projeto de lei foi apreciado.

Excesso é reflexo de ‘brutalização’ das relações

Nos pedidos de cassação contra Juliano Lopes, Wesley Moreira e Flávia Borja, a acusação é de desrespeito de uma decisão judicial que impedia a análise de pedidos de afastamento contra Gabriel Azevedo da presidência da Câmara, enquanto ele é investigado na Comissão Processante.

No caso de Gabriel, os três pedidos acusam o presidente da Câmara de quebra de decoro, que é conduta inadequada ao cargo de vereador. Gabriel é acusado, entre outras coisas, de ter ofendido seus colegas parlamentares.

O professor Camilo Aggio lembra que cada processo precisa ser avaliado, mas que o excesso de pedidos de cassação é reflexo de uma “brutalização” das relações políticas no Brasil. “Temos que considerar que a política passa por um processo no qual os Parlamentos têm utilizado seus regimentos e suas normas não só para reorganizar, mas civilizar, digamos assim, as relações políticas nas instituições”, avalia.

O vereador Wesley Moreira, um dos alvos de processos de cassação, se diz vítima de perseguição política. “O que se percebe é um presidente desesperado e que, agora, está utilizando estes artifícios para desvirtuar a situação e tirar a atenção sobre ele”, afirmou. Os outros vereadores citados não quiseram se manifestar.