Transferência de instituições para famílias acolhedoras é criticada em audiência
A transferência de crianças de unidades de acolhimento para famílias acolhedoras foi debatida, nesta quarta-feira (19/4), pela Comissão de Administração Pública, por requerimento da vereadora Flávia Borja (PP) e de Uner Augusto, que teve o mandato parlamentar interrompido pela Justiça.
Durante a audiência pública, vereadores se mostraram preocupados com o reordenamento promovido pela Prefeitura com o intuito de retirar crianças e adolescentes de unidades de acolhimento parceiras, transferindo-os para famílias acolhedoras, que são aquelas que recebem os afastados de suas famílias de origem por medida protetiva. Os parlamentares colocaram em dúvida o benefício da transferência para as crianças e adolescentes, bem como o acompanhamento da PBH durante esse processo, e apontaram a possibilidade de as crianças e adolescentes sofrerem com a mudança. De acordo com os parlamentares e responsáveis pelas unidades de acolhimento, as crianças saem dessas instituições para as famílias acolhedoras sem que haja um período de adaptação, o que poderia prejudicar aqueles que a lei pretende proteger.
O ex-vereador Uner Augusto afirmou que falta diálogo com instituições de acolhimento no processo de reordenação promovido pela PBH, o qual vem acarretando a transferência de crianças para famílias acolhedoras. Ele também disse ter o conhecimento de duas crianças que foram transferidas de instituições para famílias acolhedoras sem terem tido contato inicial com essas famílias. O ex-parlamentar afirma, ainda, que o relato das instituições demonstra que esse procedimento tem sido recorrente.
Também requerente da audiência, Flávia Borja questionou o por quê das transferências para as famílias acolhedoras se o trabalho das instituições de acolhimento vem dando certo. Ainda de acordo com ela, essas instituições precisam ser valorizadas, e o trabalho de acompanhamento de crianças em famílias acolhedoras por parte da Prefeitura precisa ser mais bem debatido.
Para José Ferreira (PP), a forma como as crianças foram transferidas das instituições para famílias acolhedoras chama atenção, pois, de acordo com ele, seria necessário preparar as crianças para tal mudança, tendo sido essa uma lacuna do processo de reordenamento promovido pela PBH. O parlamentar também questionou se as próximas transferências ocorrerão com adaptação das crianças e com construção de confiança entre elas e os membros da família acolhedora.
Qualificar rede de proteção
O subsecretário de Planejamento Gestão e Finanças, da Smasac, Afonso Nunes da Cruz Neto, explica que o reordenamento do acolhimento de crianças e adolescentes em Belo Horizonte tem o objetivo de qualificar a rede de proteção social, que é composta pelo acolhimento institucional, por famílias acolhedoras e pelo Programa Família Extensa Guardião, que acolhe crianças e adolescentes que precisam ser afastadas provisoriamente do convívio de sua família nuclear em decorrência de medida protetiva aplicada pela Justiça em casos de violação de direitos ou violência. A estratégia desta última é manter crianças e adolescentes sob o cuidado de sua família extensa, isto é, avós, tios ou irmãos adultos, por exemplo.
Segundo o subsecretário, um estudo de padrão de qualidade e custo antecedeu o reordenamento. Além disso, a Prefeitura explica que está ampliando o investimento nas instituições de acolhimento de R$ 25 milhões para R$ 31 milhões, o que fará com que algumas unidades parceiras tenham seus recursos ampliados em mais de 100%. Afonso salienta, ainda, que este aumento no investimento foi negociado com as instituições e será integralmente revertido para elas, não sendo contabilizados nesse montante os investimentos em famílias acolhedoras.
Afonso Nunes também defendeu que o estudo que antecedeu o reordenamento foi construído de forma democrática e participativa, tendo levado à redução no número de crianças e adolescentes acolhidos em cada instituição para, no máximo, 12, de modo a atender as resoluções em vigor e garantir um atendimento de qualidade. Ainda de acordo com a PBH, a ideia é ampliar o acolhimento institucional para adolescentes e garantir convivência familiar e comunitária para crianças de 0 a 6 anos, por meio de programas como o família acolhedora.
Mudança de demanda e acompanhamento
A Prefeitura também explicou que o tamanho da rede de proteção social pode mudar ao longo do tempo, de acordo com as necessidades do momento. Assim, o sucesso de políticas estruturantes em área como educação, saúde e assistência social pode reduzir a necessidade de unidades de acolhimento para determinadas faixas-etárias, bem como ampliar tal necessidade para certos públicos, como, por exemplo, pessoas idosas, dado o aumento da expectativa de vida.
De acordo com a PBH, todas as crianças e adolescentes em famílias acolhedoras são acompanhados por equipes técnicas formadas por psicólogos e assistentes sociais. Tal acompanhamento é formalmente informado à Justiça, por meio de relatórios periódicos.
O presidente do Fórum Mineiro de Conselheiros Tutelares, Carlos Henrique, defendeu que o poder público deve se antecipar, por meio da adoção de políticas públicas que evitem que a criança ou o adolescente chegue ao ponto de precisar do acolhimento institucional. Ainda de acordo com ele, não há conflito entre família acolhedora e acolhimento institucional, uma vez que a característica de cada caso definirá o direcionamento da criança e do adolescente. Carlos Henrique também explicou que todas as ações do poder público são voltadas prioritariamente para propiciar a reintegração da criança e do adolescente à sua família de origem.
A diretora-presidente da ONG Colmeia, Maria Luiza, explica que, na atual gestão municipal houve avanços relacionados a questões administrativas, tais como ampliação de recursos financeiros e do quadro de recursos humanos. Há, entretanto, segundo ela, questões sociais que precisam ser revistas. Ela questiona os critérios que levaram a PBH a decidir pela diminuição de vagas para crianças de 0 a 6 anos em instituições, transferindo-as para famílias acolhedoras; e pela necessidade de ampliação de vagas para adolescente de 12 a 18 anos nas unidades de acolhimento.
Critérios de transferência e adaptação
Ela explica, ainda, que a Prefeitura havia se comprometido a fazer transferências de crianças e adolescentes respeitando a individualidade de cada uma, contudo, em seu entendimento, tal promessa não foi cumprida. A diretora também pontua que não é contrária às famílias acolhedoras, mas salienta que é necessária avaliação técnica para se decidir qual criança ou adolescente precisa da instituição e qual precisa da família acolhedora. Um dos problemas apontados por Maria Luiza é que as crianças estão sendo transferidas das instituições sem nem mesmo terem tido um período de adaptação junto às famílias acolhedoras, o que, em seu entendimento, pode gerar problemas psicológicos nessas crianças.
O diretor da Casa de Caridade Herdeiros de Jesus, Tamer Mauricio Ferreiro, que acolhe crianças e adolescentes, disse que, na unidade, os abrigados recebem palavras de fé e esperança. Além disso, segundo ele, os gastos para manter a instituição são grandes, tais como reformas, pinturas e transporte. Outra situação vivida pela unidade é de jovens que, ao completar 18 anos, não têm para onde ir e acabam voltando para a Casa de Caridade, uma vez que faltam políticas públicas capazes de atender este público.
Auxílio às instituições
Fernando Luiz (PSD) criticou a transferência das crianças para famílias acolhedoras, pois, em seu entendimento, se as instituições trabalham adequadamente, não haveria por que promover tal transferência. Para Wilsinho da Tabu (PP), as atuais políticas de acolhimento de crianças e adolescentes promovidas pela Prefeitura precisam de ajustes para que tenham a qualidade necessária.
De acordo com Claudio do Mundo Novo (PSD), o aumento de R$ 25 milhões para R$ 31 milhões nos repasses às instituições acolhedoras não irá resolver a questão das mesmas. Ainda de acordo com ele, parte delas terá que fechar caso a Prefeitura transfira os abrigados para as famílias acolhedoras. O vereador defendeu, ainda, mais diálogo sobre o assunto; facilitação para o recebimento de doações por parte das instituições acolhedoras e, se necessário, auxílio financeiro por meio de emendas parlamentares.